A Internet é um mundo em que o sexo é tratado como apenas mais uma mercadoria, com acesso dia e noite sem nenhuma censura
By Lisa Fitterman, reportagem de Claudia Rodrigues
Imagem daqui.
Prometia ser divertido e audacioso; o modo que o então tímido João achou para saber mais sobre sexo e tirar dúvidas sem ter de falar sobre o assunto com ninguém. Foi fácil para o menino do Centro-Oeste do Brasil localizar os sites na Internet. Sexo! Gente nua!
João* não pediu permissão aos pais. Talvez não quisesse pensar em como reagiriam. Além disso, estava convicto de que eles nunca descobririam.
Mal começou, o vídeo evoluiu para imagens de braços, pernas e outras partes do corpo que pareciam imensas na tela. As imagens o deixaram excitado. Outras causaram repulsa. Então era isso que os adultos faziam a portas fechadas? Quando acabou o filme, João, à época com 13 anos, ainda sentia o impacto da nova experiência.
O que ele não contava era que o pai, professor de Zootecnia, fosse verificar o histórico de navegação do computador. Não só descobriu os sites acessados como encontrou um vídeo que o garoto baixara. Os pais de João ficaram surpresos, entretanto preferiram não punir o filho, mas sim o alertar sobre o risco de abrir ou baixar certas páginas.
Antigamente, a investigação da sexualidade podia acontecer às apalpadelas no banco de trás do carro, em festas sem vigilância de adultos ou folheando revistas escondido. Quando fazíamos perguntas aos nossos pais, as respostas, que não eram respostas, costumavam ser “Meninas direitas não fazem isso”, “Todos os rapazes querem a mesma coisa” e “Você pode ficar malfalada”.
Não é mais assim. A Internet e a tecnologia portátil, como a dos tablets e smartphones, mudaram tudo.
Hoje, muitos jovens brasileiros, a exemplo de garotos e garotas no restante do mundo, consideram a Internet o melhor local para encontrar tudo o que sempre quiseram saber sobre sexo e sexualidade, inclusive imagens e filmes pervertidos.
Palavras-chaves inocentes podem levar a cenas de sexo bizarro envolvendo escatologia e pessoas mutiladas. O sexo é tratado como mais uma mercadoria. Não existe censura nem controle. Muitas páginas não trazem sequer a advertência “conteúdo impróprio para menores de 18 anos”.
Um estudo da Norton Online Family constatou que as crianças estão passando cada vez mais tempo no computador – uma média superior a 30 horas semanais. A pesquisa realizada com 12.704 adultos, 2.379 professores e 4.553 crianças e adolescentes com idades entre 8 e 17 anos, em 24 países, verificou que 13% das crianças admitem acessar sites inapropriados para menores de idade. E 26% dos pais reconhecem que os filhos mudam suas atitudes e seu modo de usar a Internet quando estão por perto.
“Educar é mais importante que filtrar. Manter o diálogo é fundamental para evitar que a criança ou adolescente caia numa cilada”, diz Nelson Barbosa, especialista em comportamento digital da Norton, empresa que disponibiliza soluções de segurança on-line para os consumidores finais.
Não se iluda: o conteúdo pornográfico on-line vai muito além das revistas, com fotos posadas e virilhas mal iluminadas. Lá, as imagens são explícitas. Wanderson Castilho, especialista em crimes virtuais, da empresa curitibana E-Net Security, observa que, em consequência do que vê por lá, a noção de realidade sexual da criança pode ser afetada quando ela assiste à pornografia em tenra idade.
“Há muitos sites bizarros”, diz Castilho. “Os pais e as escolas devem considerar que não têm a exclusividade da educação sexual. Sites pornográficos podem influenciar, alterar padrões e criar noções distorcidas”, afirma.
Gabriel Marra e Rosa, psicólogo clínico, pesquisador da Universidade Católica de Brasília (UCB), e autor do livro Facebook e as nossas identidades virtuais, observa como a cultura se infiltra e afeta o comportamento de garotos e garotas. “Nessa fase de construção de identidade, o jovem sofre grande influência. A mulher pode ser induzida a ser mais provocativa, mais sedutora, a adotar um padrão estético para tornar-se mais desejável.”
Novos aplicativos como Poke e Snapchat vêm sendo usados, mais e mais, para a prática de sexting – envio de conteúdo erótico por meio de smartphones. No Poke, um dos mais baixados na Apple Store brasileira, as imagens se autodestroem em 1, 3, 5 ou 10 segundos, de acordo com a programação do usuário. A percepção de que ninguém verá as fotos enviadas acaba produzindo episódios constrangedores entre adultos, adolescentes e até crianças.
Jefferson, de 8 anos, de Curitiba (PR), encontrou a página de um site pornô deixada aberta pelo irmão na tela do computador e acabou descobrindo um novo mundo na Internet.
“Muitos pais preocupam-se apenas com sites de pedofilia. Mas eles têm de reconhecer que os filhos e filhas conhecem e acessam sites pornográficos”, afirma Wanderson Castilho. “A sexualidade aflora na pré-adolescência e as crianças ficam muito curiosas. Antes, recorriam às revistas com fotos de sexo, que hoje perderam público. Agora, os filmes na Internet são como um novo rito de passagem cada vez mais popular entre os jovens.”
Uma vez que a Internet mudou o modo como as crianças aprendem em geral, seu papel básico na educação sexual não deveria surpreender. O sexo ainda é um daqueles tópicos embaraçosos que os adultos tendem a evitar. E é facílimo ir à Internet para responder às perguntas e satisfazer, com imediatismo, a curiosidade sobre sexualidade.
Para a pensativa e estudiosa Jéssica, que mora em Florianópolis (SC), a Internet nunca foi lugar para procurar excitação, mas sim um banco de dados onde ela buscava informações e respostas sobre sexo quando estava no auge da adolescência.
Hoje com 19 anos, Jéssica ainda lembra do espanto que sentiu quando viu um orgasmo masculino em um site pornográfico. E repara como muitas meninas que estudam na mesma universidade estão preocupadas de perderem o namorado se não fizerem sexo com ele ou se não souberem tudo sobre sexo. “Muitas garotas mudam seu comportamento para seduzir e atrair os garotos. Sentem-se obrigadas a transar”, diz ela.
Embora exista uma orientação nos Parâmetros Curriculares do MEC para que o assunto seja tratado pelos professores, a educação sexual não é obrigatória nas escolas brasileiras. A responsabilidade de mostrar a sexualidade baseada na ciência é papel dos pais. Quando surgem os primeiros questionamentos, é hora de os pais aproveitarem para conversar.
“O importante é manter um canal de comunicação desde cedo”, diz Tânia Zagury, mestra em educação e autora de 24 livros, entre eles O adolescente por ele mesmo. “A conversa não pode virar uma aula. O adolescente acha que sabe tudo e que os pais só querem impor regras. Os pais bem-sucedidos nessa tarefa estabelecem um canal de comunicação desde a infância, conversando sobre tudo, trocando ideias sobre todos os assuntos, mas também estabelecendo regras e limites”, afirma Tânia. “Se, porém, o adolescente desrespeitar os acordos, é obrigação e direito dos pais fazerem as sanções educacionais necessárias, para evitar desvios.”
Os pais podem usar filtros nos acessos à Internet. Mas Oswaldo Rodrigues, diretor do Inpasex – Instituto Paulista de Sexualidade –, reconhece que é quase inevitável que os filhos ainda assim acessem material pornográfico. “Por isso, é importante que os pais falem sobre sexo com a criança desde cedo. Assim, na adolescência, haverá a possibilidade de ele pedir ajuda no momento em que precisar, e manter um canal aberto para comunicações difíceis antes que seja tarde”, diz Oswaldo.
O grupo GEPIPS – Grupo de Estudos e Pesquisas do Inpasex – tira dúvidas pelo site. Mas Oswaldo recomenda também o Portal do Ministério da Saúde, que disponibiliza a Caderneta de Saúde do Adolescente. “Embora não seja comum, os pais são a principal fonte para os filhos, se puderem mostrar-se confiáveis a eles. A responsabilidade de mostrar a sexualidade baseada na ciência é papel dos pais. Se não o fizerem, os filhos aprenderão com a pornografia.”
Hoje João tornou-se agrônomo e um rapaz sensível. Lembra ainda com horror dos vídeos com sexo violento e crianças que viu e não gostou. O rapaz passou a evitar sites esquisitos. Mas acredita que a Internet é um bom lugar para obter informações sobre sexo. Admite que sofreu influências e até descobriu que nem tudo o que via era aprovado pelas garotas. Aprendeu o suficiente para não acreditar em tudo o que mostra a pornografia.
Você Sabia?
O Brasil, ao lado do Peru e da Colômbia, está entre os países que mais fazem buscas por sexo no Google, segundo pesquisa da Google, divulgada em 2007.
Dicas de livros sobre sexualidade na adolescência:
- Conversando com seu filho sobre sexo
- Tribo adolescente: sexo, namoro, camisinha, gravidez e outras dúvidas, ambos do sexólogo Marcos Ribeiro;
- Sexualidade – um guia de viagem para adolescentes, de Cristina Vasconcellos;
- Mitos e tabus da sexualidade humana, de Jimena Furlani.
DAQUI:
Um comentário:
Nos dias de hoje, é muito difícil acompanhar a velocidade que jovens tem acesso a tudo. Como diz o texto, o ideal é os pais terem canais de comunicação e que a educação sexual comece desde a infância. Importante que os filhos confiem nos pais para conversarem qualquer coisa com eles. Muita paz!
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